– Júlio, tu é burro?
– Pra quê tanta força, cara?
Dona Gisela ouviu aquelas acusações seguidas de gritinhos agudos de “ai, ai, ai, ai, ai”. Desviou o olhar para o outro lado da calçada e encontrou pelo menos seis pares de olhos em desespero enquanto seus donos se agarravam às grades do portão do colégio municipal. Seguiu os pequenos olhinhos e logo compreendeu o motivo do alvoroço.
A bola de couro laranja rolava sem pressa, desfilando pelo meio da avenida movimentada. Dona Gisela, que já havia interrompido a caminhada até o trabalho, observou curiosa o poder dos olhinhos desesperados evitar que o vacilo de Julio desse fim ao futebol do recreio.
Sabe-se lá se com ajuda do universo ou não, o fato é que a bola desviou dos pneus do ônibus que descia a rua embalado, e também do sedam preto que vinha logo atrás. O motoqueiro que subia a ladeira foi esperto e desviou rápido quando percebeu o obstáculo; seu movimento brusco alertou o taxista que o imitou.
A bola, então, encerrando seu espetáculo com a graciosidade de quem dança, parou aos pés de Dona Gisela.
O alvoroço de desespero passou à comemoração. A empolgação era a de uma copa do mundo vencida. Ou quase. Na disputa de pênaltis, com vantagem. A tensão cresceu nas mãozinhas agarradas ao portão. A heroína do jogo podia ser Dona Gisela. A vilã também.
– Tia! Tia! Joga pra cá!
– Por favor, moça! Joga aqui!
Preferiu o primeiro posto. Abaixou, embora a coluna protestasse, e apanhou o brinquedo, para a euforia das crianças. Esperou o movimento da rua diminuir e atravessou fora da faixa mesmo. Parou à porta do colégio. Mediu a força para não repetir o erro de Júlio e então arremessou a bola por cima do portão.
Agora, sim. Pênalti marcado. Comemoração de copa do mundo. A moça salvara o dia dos pequenos. Os olhinhos brilhavam eufóricos e ansiosos pelo resto do recreio. Agradeceram rápido e voltaram a brincar. Tinham pressa. O sinal tocaria a qualquer instante.
Dona Gisela observou a brincadeira, sorriu e seguiu seu caminho até o trabalho.
Bruna Paiva
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